O desalinhar da franja

       Ela fazia o mesmo percurso cinco vezes por semana desde que tinha dez anos. Sabia exatamente quantos passos havia naquele trajeto. Conhecia todos os estabelecimentos e cumprimentava, ainda que com um tímido aceno, todas as pessoas que via. Nunca ficou perdida. Saia do colégio as 17:30, mas naquele dia resolveu ficar estudando depois da aula. Primava pela excelência em sua vida estudantil: “Nada lhe restará, a não ser o conhecimento.” As palavras de sua mãe ecoavam como um mantra em seus ouvidos. Ela sentia saudade da mãe.
        O crepúsculo já ameaçava pairar quando saiu da biblioteca, o vento fresco soprava-lhe a franja frontal cuidadosamente penteada. Apressou o passo ao perceber que a maioria dos estabelecimentos do seu trajeto estavam fechados e que já não havia tantas pessoas nas ruas. Pensou em ligar para sua tia, ela poderia mandar o Daniel lhe buscar, mas o seu celular já não tinha bateria.
       Sentiu o medo tomar conta de si e seus passos se tornaram ainda mais rápidos. Ás vezes olhava para trás para se certificar de que não estava sendo seguida. Ouviu um barulho de risos e chegou a se sentir segura vendo um grupo chegar perto. Eram cinco rapazes e uma garrafa de bebida destilada que ela achou se tratar de uísque. Eles estavam se aproximando e aquela sensação de segurança já não existia mais. Ela estudava maneiras de correr sem levantar suspeitas, mas decidiu manter o ritmo. 
      Eles se aproximaram. Eles falaram com ela. Eles a tocaram. A arrastaram para um lugar ermo e ela queria gritar. O pânico não deixava que sua voz saísse, ela era apenas medo. Puxaram seus cabelos e lhe arrancaram os livros que carregava, rasgaram a sua camisa do uniforme e jogaram-na ao chão. As lágrimas já inundavam o seu rosto. Ela tentou resistir quando tentaram tirar a sua calça jeans, mas quanto mais resistia mais excitados eles ficavam. Eles tiraram o seu jeans e arrancaram a sua dignidade. Roubaram a sua inocência e lhe usurparam a virtude.
        Ela deixou de resistir e passou a observar a cena como se estivesse acima daquilo tudo. Eram cinco e uma garrafa. Era ela, e já não era mais. Ela viu o seu próprio olhar vidrado e estranhou o fato de não sentir dor. Eles lhe morderam. Eles lhe chuparam. Eles lhe foderam. Eles lhe estupraram. Eram cinco. CINCO.
      Ela não se mexia e mal respirava. Acharam que estava morta e ela também achava. Deixaram-na deitada sem roupas e sem dignidade. Levaram seus sonhos, seus planos e deixaram apenas o frio e o medo. Estava coberta de suor, folhas de grama, uísque, urina e esperma. Ela observava tudo de cima, via a si mesma. Jogada como um animal morto. A franja desalinhada e a pele arrepiada, não sabia se de frio ou se de medo. Ela não usava roupas curtas e isso não os impediram. Tentava compreender quão sórdida a perversidade dos homens seria, mas apenas via seu próprio corpo quase desfalecido em um terreno baldio, teriam eles mãe, irmãs. A dor em suas entranhas não era maior que a humilhação que se seguiria. Queria gritar, chamar por socorro. Ela estava moralmente morta e observava tudo de cima. Ela estava com frio. Ela queria chorar. Aquela garota sentiu-se mais sozinha do que nunca. 
       Ela viu tudo para não sentir nada.
 Luana Amaral: 15-09-1992/ 18-10-2006.

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4 comentários:

  1. xocante.....minuciosos detalhes...!quero mais!

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  2. Emocionante :(
    Muito bem escrito, parabéns

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  3. Meu deus, nem sei o que escrever. Acho que tudo será indigno de tal texto. Que brilhantismo.

    Beijos, http://porredelivros.blogspot.com.br/

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  4. O.o fiquei super chocada!!!!
    Mas achei muito bem escrito, parabéns!
    http://traduzindo-sonhos.blogspot.com.br/

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